Começo a crítica com um pedido de desculpas. Uma das questões que os blogueiros-unidos discutiram e continuam discutindo na crítica de moda, são aqueles relatos de desfiles bem técnicos, que só os iniciados no vocabulário-fashion conhecem, como se o crítico escrevesse para outro crítico.
Sim, fui um dos maiores críticos disso. Queridos, não se sintam traídos. Sim, as linhas abaixo têm vários momentos tecnicistas. Têm descrições. Confesso, que nem tive tempo de reler, antes de publicar.
A desculpa maior é que ontem, a Biti Averbach/Moda sem Frescura, levantou a bola do problema técnico que os estilistas enfrentam, e eu concordo e assino embaixo. No segundo dia, a questão reapareceu, de uma forma mais positiva. Teve até a entrevista da Briza, que disse: ”Não queria ser maior do que eu mesma, e isso se reflete na roupa e no meu domínio técnico”.
Inspirado nisso, resolvi entender como a questão técnica foi tratada no segundo dia. É uma visão particular, pessoal, reflexiva e não-conclusiva. Estou levantando uma bola, para quem quiser cortar, por favor, faça-o, ok? Ricardo Oliveros/Fora de Moda
Novas silhuetas e volumes para o bem e para o mal
O que mais chamou atenção no segundo dia foram os grandes volumes localizados e o modo como os jovens estilistas lidaram com os plissados, nervuras, pregas e rolotês, sobreposições, procurando novos sentidos para silhuetas.
Casaco destaque de Weider Silveiro
Quem se deu muito bem neste jogo foi Weider Silveiro, ex-assistente de Walter Rodrigues. Com a coleção inspirada na legendária estilista francesa Madame Grès e na heroína de HQ, a dominatrix Valentina, desenhada por Guido Crepax, soube lidar com a lã, em diferentes gramaturas, com um precioso trabalho de modelagem, plissados muito bem localizados, que marcavam a cintura e o busto, além de nervuras e pregas que redesenhavam a silhueta na área dos quadris.
O impressionante casaco cinza visto nas araras do backstage, ganhou força e volume na passarela, com sua gola assimétrica vermelha, abotoamento deslocado e o legging de látex, com aparência de vinil.
Vestido artéria de Weider Silverio
Destaque para os vestidos com rolotês que percorrem como artérias os vestidos e abrem na extremidade com um leve evasé, ou os bubbles que dão um ar entre o bufante e o estruturado, tanto em mangas, shorts e saias de cintura altíssima.
Vestido talento de Weider Silverio
No conjunto, ele alterna alguns looks mais simples, com outros over, sendo que os azuis não caíram tão bem quanto os cinzas e negros. Quando a simplicidade chega no vestido quase-quase trapézio, mas com acabamento balonê e mangas com extremidade em viés, ali temos um momento que diz que ele é realmente um talento jovem que merece ser acompanhado de perto.
A ultra-jovem Briza enfrentou seus vários medos na passarela. Ela é uma menina muito séria e consciente de suas limitações, não de talento, mas de experiência mesmo. Do filme Metrópolis, ele retira a personagem Maria, que é uma metáfora da passagem para a Revolução Industrial. Mas aqui ela pode ser entendida como um ritual de passagem.
Um dos caminhos de Briza :: Vestido-avental
Na abertura, um interessante vestido-avental cinza com as costas nuas indicava um bom caminho, que foi retomado lá na frente, explorando a simplicidade e eficiência dos tecidos, como seda, voal e tafetá. Antes, malhas e moletons fazem o volume crescer, aumentar, chegando em maxi-pantalonas, que deixaram as magérrimas modelos extra-extra-large. Karlla Girotto fez uma coleção pensando em mulheres reais, com modelagens bem amplas, mas em nenhum momento com exagero na silhueta GG. Ao contrário, era uma valorização dela, tirando o melhor que este tamanho pode oferecer.
Momento XXL de Briza
Os dois looks plissados foram complicados, o primeiro exibia uma dobradura na altura do busto e o segundo recebeu três laços que atavam o vestido, mais como um recurso de imagem do que roupa.
No release, a estilista fala dos seus medos, do medo de ser engolida pela indústria da moda. Oras! Quem está na chuva, tem que se molhar. Não dá para ficar no muro, com um pé ali, outro acolá. A moda tem muitas facetas, aceita tudo com muita facilidade, chega a ser promíscua em suas relações. Mas coragem, menina, coragem. Se esta é sua verdadeira paixão, deixa o vento te levar. Agora, se não é, existem muitos lugares para os manifestos, ok?
Nesta série, a “modernidade quer volume”, a P’tit, um coletivo formado por Anna O., Heloisa Faria, Leonardo Negrão, e agora com Carol Marinoni (responsável pelo marketing da marca), vieram com a “desumanização associada à robótica”. Pois é. Claro que o tema é um mote, e não o resultado. Não consegui falar com eles no backstage, e confesso que não achei no desfile, esta busca futurista.
Poucas camadas e nenhum futurismo :: P’tit
Eles são fruto de vários desejos e vontades, e são reconhecidos pela mistura de tecidos e sobreposições que fazem sempre. Tem aquele ar retrô porque muitos tecidos são garimpados, e eles ficam ali esperando o momento de sua participação. Desta vez, por causa de uma decisão de styling, que eles mesmos fazem, alguns looks voltaram mais simples, sem as camadas originais que desfilaram. Fábia Bercsek fez isso no seu desfile de Inverno 2007, de forma brilhante. Na P´tit, foi uma revelação de que vários looks ficaram melhores sem tantas camadas. Por exemplo, o delicado vestido branco, todo rebordado de pingentes de cristais. Daí, você começa a refazer mentalmente o desfile para ir desmembrando as peças e descobrindo seus achados aqui e acolá…
DNA é a palavra-chave do momento
À primeira vista, juntar na mesma crítica Walério Araújo e Fabiana Bauman pode parecer um disparate ou surto. Um é festa, nonsense, um fake glamour assumido e descarado. Outra é segura, não se arrisca muito, constrói um vocabulário cuja qualidade aparece nos detalhes, não é exibida, é contida.
Então, o que poderia uní-los? Eles sabem para quem fazem suas roupas e não tem dúvidas quanto a isso. O Herchcovitch disse uma vez que a primeira coisa que o estilista tem que descobrir é seu público-alvo. Para quem ele faz sua roupa. Concordo em gênero, número e grau. Quando um estilista começa a atirar para todo o lado, pode até acertar em algum alvo, mas é por mero acaso e não devido à consistência do seu trabalho.
De uns tempos para cá, o jornalismo de moda do mundo inteiro vem batendo na tecla do DNA, ou seja, aquilo que você reconhece e que diferencia uma marca da outra. Num mundo globalizado, onde as tendências são anunciadas pelos birôs de estilo com muita antecedência, a interpretação pessoal de cada estilista conta, e conta muito.
O que me chamou a atenção, nestes dois desfiles, é que as coleções são muito coerentes com os seus criadores, com o que eles desejam e onde eles querem chegar.
Fabiana Bauman se insere num núcleo de moda que tem como pares Juliana Jabour e Raia de Goeye, salvo as diferenças e distâncias de cada uma. Elas têm em comum o fato de serem consumidoras da própria marca, ou terem em seu grupo social, pessoas que se identificam imediatamente com seu estilo. E não vou entrar na questão de valores e de gosto.
Vestido minimalista de Bauman
O vestido-síntese da estilista, neste desfile, é um trapézio cinza que tem dobraduras na lateral. É simples, tem alguma informação a mais na mais-que-batida-fórmula, é curto, é fácil e deve vender bem. Meninas da Oficina de Estilo, se eu estiver errado, me corrijam, please. Todas as roupas, tem um toque, um detalhe que busca esta pequena diferença.
Tem novidade, não. Pode-se questionar sua presença ali, talvez. Mas que ela sabe o que está fazendo, eu não tenho dúvidas. Se eu gosto? Isso não vem ao caso, mesmo porque eu não sou o público-alvo dela. Entendeu?
Já Walério Araújo, é a própria síntese de suas coleções. Ele borda, reborda, estampa, brinca, chocha. Tem babado, tem. Tem cinturas marcadíssimas, tem. Tem alma de 25 de março, porque não? Pode ir numa festa glamurosa? Com certeza. A série de looks com pérolas falsas bordadas, é a alma, o DNA, a cara e o jeito dele. Tudo brilha-rebrilha, balança, e dá um efeito que só quem sabe o que é arrasar, pode. Com muito babado, literal e metaforicamente.
Look maximalista de Walério Araújo
No aniversário dele, comemorado recentemente, poderia ter acontecido o desfile. Gays, travestis, heteros, socialites, e até a Preta Gil, rainha do bafo, fez às vêzes de DJ. No final, com as modelos todas perfiladas na fila de agradecimento, ao lado esquerdo da passarela, ele surge, só na silhueta, fundo de passarela, de salto alto. Vem desfilando, debochado, nosso John Galliano brasileiro, como o Aurélia Vitor Angelo já disse.
Na parte detrás da cabeça, uma máscara de porco. O recado está dado: Pérolas aos Porcos. E ainda dá tempo de dar uma sambadinha, e sair feliz da vida. Como nós, afinal. PARABÉNS, MEU BEM!!!
O que é a crítica de moda, afinal?
Vou dividir esta história com vocês. Poderia citar outros exemplos do mesmo fato, mas é a primeira vez, que isto aconteceu diretamente comigo.
Estava lá no camarim vendo as roupas, quando o Maurício Ianês me apresenta o estilista capixaba, Ivan Aguilar. Momento saia-lápis urgente, sabe como?
Na temporada passada, eu fiz uma crítica bem dura sobre o desfile de Verão e principalmente à sua linha feminina, que ele acabava de lançar. Por uma daquelas coincidências, a matéria ficou um dia inteiro na home do UOL. Afinal, tinha saído uma matéria na coluna da Mônica Bergamo falando sobre os 10 ternos que ele tinha dado de presente para o presidente Lula. Prato cheio!
Ele diz logo de cara: “Obrigado pela crítica. No começo fiquei meio mal, depois entendi o que você tinha escrito, e voltei a fazer só masculino.”
Fiquei pensando no papel da crítica de moda. É muito fácil falar mal, é muito fácil não gostar ou gostar. É muito fácil ser leviano e não entender a importância da crítica. Afinal, a história da moda brasileira profissional é muito recente. O jornalismo de moda brasileiro é restrito a um grupo muito pequeno de pessoas. Toda a engrenagem que move este mundo particular também é. Sobreviver exclusivamente de moda é para poucos, pouquíssimos. Está na hora de cada um saber o papel que está desempenhando neste círculo da história.
Logo após os desfiles me perguntaram se eu achava adequado um estilista como o Ivan estar na Casa de Criadores. Se as peças de plástico era só um recurso para dar uma modernidade a uma roupa careta, comercial.
Vamos lá. Ele realmente não é um jovem estilista, tem um bom nome no Espírito Santo, e penkas de anos de carreira consolidada. Por outro lado, é inegável que o grande eixo da moda é composto por Rio e São Paulo. Minas também tem expressividade, mas mesmo os estilistas de lá desfilam no SPFW ou no Fashion Rio. Quem está fora deste eixo tem que batalhar para existir em termos nacionais.
A opção de Aguilar foi começar na Casa dos Criadores, para depois tentar o Fashion Rio. É uma solução que ele encontrou para vencer as barreiras que não são só geográficas no mundo da moda.
Ele tem uma roupa careta? Me lembro da palestra do Colin MacDowell falando das dificuldades que a moda masculina tem de evoluir. O estilista capixaba é bem informado e trouxe as novidades da temporada: terno de um botão, a mistura de alfaiataria e esporte, principalmente, no paletó-casaco que tem acoplado na lapela, uma gola de punho, bem ao gosto das sobreposições que tiveram origem nos rappers americanos, e hoje é febre no mundo inteiro.
Camisa plástica de Ivan Aguilar
Os tecidos, acabamentos e modelagem são impecáveis e são a marca registrada do estilista. Sua pesquisa de tecidos trouxe inovações com as camisas e os casacos de plásticos. E acreditem, é confortável, porque ele prensa o tecido no próprio plástico para fazer forros sofisticados, uma técnica de alfaiataria conhecida como coenização. Esta técnica substitui a antiga entretela que era alinhavada internamente nos ternos para dar estrutura. As estampas digitais são feitas à partir de obras do artista Raphael Samú, que ampliadas dão ótimo efeito gráfico, principalmente no trench coat 7/8 feito de duratan, que é o mesmo material de confecção de outdoors. Por coincidência, eu estava com uma bolsa da Parcell de NY que é uma marca especializada neste material. Alguém falou em reciclagem/sustentabilidade???
Trench de duratan
A moda masculina precisa de alternativas viáveis para crescer, como sempre lembra, o crítico de moda masculina, Lula Rodrigues. O homem de verdade, que não é tão moderno assim, precisa de marcas que ele possa comprar. Precisa de alternativas para as VRs e os Ricardo Almeida, sim. E no final das contas, o Ivan Aguilar é uma opção para se ter em vista e em conta.
Agora, que ele voltou ao seu lar original, poderia investir numa linha mais jovem, com uma silhueta mais skinny, porque esta ainda vai durar por algum tempo. Heidi Slimane que o diga, não é mesmo?
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